Torno foi escrito ao longo de alguns anos. Nele, desvela-se um caminho em espiral que enfim sai da gaveta. Poema a poema. Convido você, leitor, a abrir comigo esses cadernos, sempre incompletos. Os anos de escrita se farão semanas de leitura, condensados no tempo. Coincidência ou não, o ciclo começa hoje, oito de março.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Do chão.



É PRECISO ESVAZIAR-ME
TODA
PARA ENTÃO ENCHER-ME
DE VENTO NOVO.

LEVANTO DO CHÃO
QUE É PRA CAGAR DO ALTO.

MERDA.

MELHOR ASSIM DO QUE PERFUME,
CUJO CHEIRO FICA.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Diálogo

- O senhor me desculpe, se eu falo muito, mas é por medo do silêncio, mas se o senhor quiser falar eu posso ouvir, eu não tenho problema de ouvir, o senhor querendo pode falar. Pode falar. Hein? Pode dizer.

- Falo menos. Meu medo é Palavra.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

suspenso



O céu está suspenso
por um precário equilíbrio
sustentado por um grão de pólen
que por capricho não sai
de seu lugar no cume da
pirâmide que equilibra o mundo.
Soube disso no átimo
em que escutei o estalido
de um grão de parede se
acomodando entre centenas de
metros abaixo e acima.
Por um cotidiano milagre
a estrutura não ruiu dessa vez.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Preço

:
estava à venda
e me vendi barato:
um poema em mau português
um retrato do meu próprio sorriso
e duas cicatrizes:
uma que fez meu coração mais frágil
uma que marcou meu corpo, mais podre:
comprei caro o direito de ser mulher
e de deixar meu corpo ser dono de mim.

quarta-feira, 30 de abril de 2014


Olhou porta adentro cansada como uma flor que, depois de um dia de sol intenso, encontra-se irremediavelmente murcha apesar do sereno da noite. Prometeu que essa noite não deixaria de sair pois afinal havia lua.

Mas diante do chão teve vontade e deitou-se ali mesmo.
 
O piso era antigo de um desenho bonito de traços que se entrelaçavam. Pela janela era possível ver a serra. A serra guardava a promessa da outra face.



Dormiu embalada pela promessa.

embalada pela promessa


terça-feira, 25 de março de 2014

Lua


Vai chover, e a chuva
promete lavar o meu sangue
que escorre pela janela
pela greta do assoalho
pelos poros do cimento da parede.
Debaixo da porta não vaza
uma gota
pois aí
(antes mesmo de atravessar)
ele talha.

A chuva traz 
uma promessa 
boa:
o sangue mais ralo
corre melhor terra adentro.



domingo, 16 de março de 2014


corpo
corpopodre
corpopobre
corpopolvo
corpopó
corpopútrido
corpoputa
corpopula
corpocópula
corpocopo
corpocapo
corpocaro
corpocara
corpocarpo
corpoparco
corpoporco
corpopromessa
corpodívida
corpodevida
corpovida
corpovil
corpovício
corpovivo
corpoviu
corpovir
corpoir
corpoar
corposol
corposó
corpopó
corpopá
corpopaz
corpopus
corpopuz
corpoputz
corpopum
corpopão
corpão

segunda-feira, 10 de março de 2014

                                  Interlúdio I



O porão da casa velha, conhece? É o lugar pior do mundo. Cheira a mofo de terra, de terra onde nunca se enterrou ninguém, terra mais só. Lá guardei uma caixinha trancada, de ferro para o fogo nunca destruir, e vou morar dentro da caixinha. Vou entrar e dormir, dormir até o mundo nascer de novo. Dessa vez não vou ser eu quem vai parir, porque da outra vez não tive forças e morremos, eu e o mundo nem nascido. Dessa vez vou nascer também, sem esforço, sem dor, sem escolha. Que não me falte também o ar.

De vez em quando dou uma olhada pela fechadura da caixinha, embora dormindo, porque tenho medo de o mundo nascer sem mim. Mas não há perigo. Também por isso a caixinha é de ferro: quando ela se misturar à terra do mundo, eu vou nascer, viva, viva, e também serei terra. Com pavor a vasos de flor.

sábado, 8 de março de 2014

Prólogo*

*Engano-me: prefácio. Isso não é teatro. É eu. Lírico.

Quem pensa que são poemas
de amor, engana-se.
São poemas de desvario,
de desengano, de desamor.
São poemas de busca apaixonada.

A autora mesma se engana,
e diz pra quem quiser ouvir:
- Leva, meu bem, me leva o livro.
Tudo aqui foi por amor.