Torno foi escrito ao longo de alguns anos. Nele, desvela-se um caminho em espiral que enfim sai da gaveta. Poema a poema. Convido você, leitor, a abrir comigo esses cadernos, sempre incompletos. Os anos de escrita se farão semanas de leitura, condensados no tempo. Coincidência ou não, o ciclo começa hoje, oito de março.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Arvorescendo

Lua vai, lua vem, e depois de longa pausa, tornamos por outro caminho. O poema de hoje é tradução minha de um poema de Silvina Ocampo. 


Arvorescendo
(Poema de Silvina Ocampo; tradução de Ana Araújo)

Gostaríamos de saber que está pensando
esta menina imóvel, trepada na corticeira.
Estará arvorescendo?
Crescerão folhas em seu cabelo,
ramas nos braços,
troncos nas pernas.
Está só, tão só que se parece
a uma boneca vestida por ela mesma.
Não a incomodam os olhares
da gente que passa.
Sua vida inteira é este momento.
Sua voz caiu na água,
seu olhar acompanhou-a,
imóvel, no lago eriçado.
Se volto a este lugar e não a encontro
trepada na corticeira como hoje,
pensarei que esta árvore não é a mesma
e que a menina não foi uma aparição.

Foto: Ana Araújo








segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Do chão.



É PRECISO ESVAZIAR-ME
TODA
PARA ENTÃO ENCHER-ME
DE VENTO NOVO.

LEVANTO DO CHÃO
QUE É PRA CAGAR DO ALTO.

MERDA.

MELHOR ASSIM DO QUE PERFUME,
CUJO CHEIRO FICA.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Diálogo

- O senhor me desculpe, se eu falo muito, mas é por medo do silêncio, mas se o senhor quiser falar eu posso ouvir, eu não tenho problema de ouvir, o senhor querendo pode falar. Pode falar. Hein? Pode dizer.

- Falo menos. Meu medo é Palavra.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

suspenso



O céu está suspenso
por um precário equilíbrio
sustentado por um grão de pólen
que por capricho não sai
de seu lugar no cume da
pirâmide que equilibra o mundo.
Soube disso no átimo
em que escutei o estalido
de um grão de parede se
acomodando entre centenas de
metros abaixo e acima.
Por um cotidiano milagre
a estrutura não ruiu dessa vez.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Preço

:
estava à venda
e me vendi barato:
um poema em mau português
um retrato do meu próprio sorriso
e duas cicatrizes:
uma que fez meu coração mais frágil
uma que marcou meu corpo, mais podre:
comprei caro o direito de ser mulher
e de deixar meu corpo ser dono de mim.

quarta-feira, 30 de abril de 2014


Olhou porta adentro cansada como uma flor que, depois de um dia de sol intenso, encontra-se irremediavelmente murcha apesar do sereno da noite. Prometeu que essa noite não deixaria de sair pois afinal havia lua.

Mas diante do chão teve vontade e deitou-se ali mesmo.
 
O piso era antigo de um desenho bonito de traços que se entrelaçavam. Pela janela era possível ver a serra. A serra guardava a promessa da outra face.



Dormiu embalada pela promessa.